Uma das memórias mais antigas e marcantes que eu tenho é de um enterro. Eu tinha uns dois anos no máximo, mas me recordo de estar parado frente a dois recipientes que, anos mais tarde, eu saberia conter cinzas. De um lado, minha mãe, Jeanette Sawyer, e meu pai, Ralph Spencer, abalado de uma forma que eu não entendia. Do outro, meus avós apoiando meu primo, Andrew, cujo rosto nada transmitia enquanto os olhos por trás das lentes de óculos, em silêncio se mantinham fixos naqueles dois objetos. Eu não entendia porque todos estavam tristes, não fazia ideia do porquê de meu primo não estar rindo e sendo besta como sempre, assim como não entendia porque eram nossos avós que estavam ali com ele e não tio Patrick ou tia Florence. Não entendia a morte naquele tempo e, tampouco, imaginava que efeitos ela poderia trazer para a vida de todos.
Mas aprendi. Rápido como a maioria das coisas que eu viria a aprender na vida.
Por quê? Porque esta primeira memória influencia em muito na segunda mais marcante que eu tenho: a separação de meus pais.
Eu tinha uns cinco anos quando isso aconteceu e não compreendia o motivo exatamente. Sabia que meu pai havia mudado muito desde a – aí eu já sabia – morte do irmão mais velho e não de maneira positiva. Eu mesmo sentia isso – quando não estava sentindo algum revés da minha saúde de m*rda, com o perdão da expressão. Agora essa alteração de ‘espírito’ somado à mudança para Gales por conta do trabalho dele, foi demais para minha mãe, acho. Enfim, fato é que, quando vi, já estava morando só eu e meu pai em Gales, longe de minha mãe, do meu primo – que apesar de ser o inferno pessoal da minha vida, eu me dava muito bem à nossa própria maneira – e meus avós. Acredito que foi aquela solidão chata que fez com que eu melhorasse um pouco no quesito saúde. Não podia me dar ao luxo de ficar preocupando meu velho ou mesmo dependendo demais dele. Não era como se ele tivesse muito tempo e eu muita paciência para esperar.
No fim, cresci independente, me virando como podia e aprendendo a ficar sozinho. Distraia-me com os milhares de livros que meu pai tinha – algo bom para minha curiosidade inata – e no máximo convivia de vez em quando com algumas crianças da vizinhança bruxa na qual eu vivia. Nada fenomenal ou significativo, até, ao menos, os meus onze anos, quando veio enfim a carta de Hogwarts e para lá eu fui. Ingressar na escola de magia e mais especificamente na Corvinal foi a melhor coisa que me aconteceu. Não que a escola fosse boa, pelo contrário, ô lugar para ter problema atrás de problema, caramba. Contudo, lá pude aprender muito mais e tinha muita coisa para explorar e experimentar, saciando assim minha curiosidade e sede de conhecimento – que por vezes só me trazia problemas, mas ok.
Ruim era a presença de Drew, que vivia me enchendo o saco – não que eu pudesse reclamar, já que era até divertido planejar como me vingar – e a consequente ‘cobrança’ de meu pai para que eu me equiparasse a meu primo. Uma competição idiota que ele e meu tio tinham e que, acredito, meu pai queria ver refletido em mim e Andrew. Reavivar memórias antigas? Não sei. Sei que nem eu nem ele precisávamos daquilo ou mesmo estávamos dispostos. Algo que se mostrou claramente quando, após a formatura de Drew, este se mudou para a França enquanto eu e meu pai voltávamos para a Inglaterra, a fim de morar na casa de meus avós – para cuidar deles, visto a idade que avançava para ambos. Um alívio para mim que, ao que tudo indicava, teria um quinto ano tranquilo.
Ou não.